No âmbito do empréstimo do desenho As antonomásias. Aquele é exactamente semelhante a mim; como o é Velho Sapato (2019), de Mattia Denisse destaca-se esta obra pertencente à Coleção da Caixa Geral de Depósitos (CGD). O desenho integra a exposição antológica Hápax, com curadoria de Anne Bonnin, organizada pelo Le Grand Café – Centre D’Art Contemporain em Saint-Nazaire, França, entre 10 de fevereiro a 30 de abril de 2023, precedida da exposição com o mesmo título realizada na Culturgest, Lisboa, com curadoria de Bruno Marchand, em 2022.
O desenho As antonomásias. Aquele é exactamente semelhante a mim; como o é Velho Sapato é exposto conjuntamente com outros desenhos da mesma série, recentemente incorporados na Coleção da CGD. O núcleo de obras do artista na Coleção foi complementado com desenhos da série Húmus (2021) e, no decorrer deste processo de aquisição, o artista doou 8 monotipos da série intitulada Monte Análogo (1984). Estas obras também foram cedidas para a exposição em França.
A singularidade do percurso de trabalho que o artista tem desenvolvido espelha-se na multiplicidade, imaginação, humor, surrealismo e irreverência dos seus desenhos, nomeadamente em cada série que enceta. Segundo Bruno Marchand: “A obra de Mattia Denisse é um cadavre exquis feito a meias com o outro mundo. Ambos escrevem e ambos desenham, a cada nova dobra, num só lado da mesma folha.” (in Cata Log Cat Strofe, Dois Dias Edições/Culturgest, 2022). Esta tensão parece fixar “o enigma da compreensão do mundo” que leva Catarina Alfaro a indagar: “as coisas são como são (independentemente de como as vemos) ou a realidade é infinitamente inatingível e misteriosa?” (in Duplo Vê – O Tautólogo, Lisboa: Dois Dias edições, 2017; na sequência da exposição homónima na Casa das Histórias Paula Rego, em 2016).
A relação que Mattia Denisse estabelece com a literatura é tangível nas narrativas dos desenhos. No caso da série As antonomásias trata-se de uma autofiguração que adensa uma ficção sobre os “seus rostos solventes” (Celso Martins, Expressso, 15/07/2022). Segundo o Ciberdúvidas, citado no livro Cata Log Cat Strofe, que acompanha a exposição, a antonomásia “consiste na substituição de um nome comum por um nome próprio ou, ao contrário, de um nome próprio por uma caracterização, universalmente reconhecida, da respectiva personalidade”. Esta re-nomeação, tal como a disciplina de Desenho, “está um pouco nas margens, que é um espaço onde me sinto à vontade”, refere o artista a Catarina Rosendo (in «O Erro como Lugar da Verdade», Contemporânea, Ed.07-08-09/2022). Nesta mesma entrevista o artista afirma ainda que os autorretratos “muitas vezes aparecem quando já não tenho ideias. São uma espécie de lugar onde volto quando não tenho o que desenhar. São uma reconcentração num ponto que está sempre disponível… eu próprio.” Tal como uma personagem que atua por ele mesmo, os desenhos de Mattia Denisse narram uma possível escrita da sua própria história.
Nascido em Blois (França), em 1967, Mattia Denisse escolheu a cidade de Lisboa, Portugal, para fixar residência desde 1999. Frequentemente, a sua nota biográfica refere as suas constantes viagens e a sua inquietude em conhecer diferentes lugares do mundo, sobretudo nos continentes europeu, africano e no Brasil. Das várias residências de criação artística e literária que realizou destacam-se: ZDB, Lisboa, 2007 e 2011; Hangar, Barcelona, 1999; e FAAP, São Paulo, 2013. Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (2011). Para além de Cata Log Cata Strofe e de Duplo Vê, o artista publicou mais cinco livros até ao momento: Logo depois da vírgula (Mattia Denisse/Barbara Says, 2011), Câmara de Descompressão (Dois Dias edições, 2011), Compêndio de Geometria Clitoridiana (Galeria Bessa Pereira, 2014), Archiconto (Edições Tripé, 2018), K contra K (Dois Dias edições, 2019).
Hugo Dinis
51 x 36 cm
Inv. 683013