No âmbito do empréstimo da obra Ouve-me (1979) de Helena Almeida (Lisboa, 1934 – Sintra, 2018), presente na exposição Tudo o que eu quero – Artistas portuguesas de 1900 a 2020, a Coleção da Caixa Geral de Depósitos destaca uma das suas obras mais icónicas. Com curadoria de Helena de Freitas e Bruno Marchand, a exposição tem lugar no Centre de Création Contemporaine Olivier Debré, em Tours, no âmbito do programa geral da Temporada Cruzada Portugal-França, entre 25 de março e 4 de setembro de 2022. A exposição foi primeiramente apresentada no Museu Gulbenkian em Lisboa, entre 2 de junho a 23 de agosto de 2021, inserida no Programa Cultural da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, uma iniciativa do Ministério da Cultura coorganizada com a Fundação Calouste Gulbenkian.

O trabalho que a artista desenvolveu, ao longo de mais de 50 anos, desde o início dos anos 70, tem sido conotado com os limites do desenho e da pintura e com a sua relação com o corpo, seja o corpo da pintora ou dos espectadores mais atentos. O uso da fotografia, como meio de construção de imagens, permitiu, em grande medida, indagar sobre as disciplinas artísticas mais académicas – pintura e escultura – e revelar uma atenção particular sobre os problemas formais que estas levantam, nomeadamente: a tridimensionalidade, a narrativa, o movimento, a cor, a linha, entre outros. Neste sentido, desde o início da sua formação na Escola Superior de Belas-Artes e como bolseira em Paris pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 1964, a pintora demonstrou vontade em quebrar as fronteiras da pintura e do desenho. Ao criar pinturas tridimensionais, ao vestir e rasgar telas, ao inserir crinas de cavalo para criar ilusões de linhas de desenho, a pintora encontra no meio fotográfico um campo livre de experimentação que, em diversas direções, vai palmilhando as suas possibilidades. Contudo, a persistência da presença do seu corpo, sem nunca se tratar do peso psicológico do autorretrato, e a concentração no movimento e narrativa são elementos que acompanham todo o seu trabalho.

A obra Ouve-me insere-se numa extensa série de trabalhos que a artista desenvolveu de 1978 a 1980 intitulado Sente-me, Ouve-me, Vê-me, em torno de premissas contraditórias entre a imagem e a sua representação. Neste caso, Ouve-me revela a impossibilidade através do desenho da palavra Ouve-me na boca da artista enquanto pronuncia a palavra no conjunto das 16 fotografias que compõem a obra. Este desfasamento, entre palavra e o seu significado, parece desvelar uma narrativa sobre o silêncio estridente que promove uma performatividade corporal da obra.

Hugo Dinis

Helena Almeida
Ouve-me
1979
Prova de gelatina sal de prata
16 (17,5 x 23,5 cm)
Inv. 360819
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