No âmbito do empréstimo para a exposição Imagem em Fuga: Júlio Pomar, Menez e Sónia Almeida, no Atelier-Museu Júlio Pomar, com curadoria de Sara Antónia Matos, destaca-se a obra Sem título (1986), da pintora Menez (Lisboa, Portugal, 1926 - 1995), pertencente à Coleção da Caixa Geral de Depósitos desde 1988. Nascida Maria Inês da Silva Carmona Ribeiro da Fonseca numa família privilegiada, a artista autodidata começa a pintar aos 26 anos. A sua história de vida e, sobretudo, os seus acontecimentos mais trágicos e as suas viagens, vão moldando a sua forma de pintar e os temas apresentados. Contudo, a sua pintura apresenta-se sempre indecifrável e não acorrentada a nenhum gosto ou estilo artístico da sua época. Ao longo da sua vida também realizaria trabalhos em cerâmica, tapeçaria, gravura e desenho.
Entre 1928 e 1951 acompanha a errância da vida diplomata com a família em Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Suíça, Roma e Washington DC. Regressa a Portugal em 1951. Teve um início fulgurante com a sua primeira exposição individual na Galeria Março, em 1954, a convite de José-Augusto França. Os artistas Eduardo Viana e Almada Negreiros, entre outros, reconhecem a frescura da sua pintura abstrata e emotiva, reveladora da influência da Escola de Paris. Entre 1965 e 1969, vive em Londres como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. A sua pintura não assimila o gosto pop vigente, mas torna-se mais densa com a utilização de cores mais contrastantes e formas percetíveis. Após a morte prematura dos 3 filhos em 1976, 1977 e 1991, a sua pintura abre-se, nos anos 80, para um caminho de figuração que revela sentimentos e imagens profundas. Figuras escultóricas, ateliê da artista, espelhos, anjos, crucificações, jardins, paisagens, naturezas-mortas, são alguns dos seus temas frequentes, onde encontrará o lirismo pictórico necessário à superação das suas emoções pessoais. É neste período da sua vida que encontramos a pintura Sem título (1986), apresentada na exposição Pinturas 1985-87, na Galeria 111, em Lisboa. Através da pintura do seu espaço de ateliê, com os seus habituais elementos – tintas, pincéis, recipientes, pintura inacabada e tela branca – a artista revela uma espécie de clausura e de intimidade. Este olhar para dentro de si mesma, e para dentro dos elementos da disciplina pictórica, poderá desvelar um desejo de emancipação e de derivação do próprio espaço representado. As livres pinceladas, as superfícies texturadas, os espaços dentro dos espaços e a pintura dentro da pintura constroem um mundo permissivo a uma leveza de espírito e aos seus pensamentos mais devastadores. Este modo de se autorretratar, sem estar representada, permite uma teatralidade dos cenários pintados e a encenação de possíveis histórias sem narrativa, apenas sentimentos e vontades, que neles podem ocorrer.
Em 1990 recebe o prestigiante Prémio Pessoa, no mesmo ano que a Fundação Calouste Gulbenkian organizou uma exposição antológica da sua obra.
Lisboa, dezembro 2021
Hugo Dinis