Por ocasião da prematura morte causada por COVID-19 do artista Paulo Kapela, nascido na Província de Uíge (Angola) em 1947, a Coleção da Caixa Geral de Depósitos dá destaque a uma das suas obras que pertence ao seu acervo desde 2003. Composta por 39 desenhos a guache sobre cartão, a obra Sem título (s.d.) revela em pequenos postais a vida quotidiana pacífica das sociedades autóctones africanas. Através de minuciosos apontamentos de cores primárias - sobretudo de azul, amarelo, vermelho, mas também de verde e preto - o artista desvela, idilicamente, os afazeres e as vivências das populações e as suas relações com os animais e a natureza. Estas pequenas cenas carregam consigo uma certa ironia no modo como constroem estereótipos na inocência e ingenuidade dos povos colonizados. Considerando a ocupação portuguesa, a guerra colonial e, posteriormente, a guerra civil, estas longínquas e paradisíacas cenas, mesmo tendo desaparecido há muito tempo, ainda persistem no imaginário coletivo. Kapela desenvolveu ao longo da sua carreira, diversas obras politizadas que, através da colagem de vários objetos e imagens de diferentes origens - profanos e religiosos, antigos e contemporâneos, artísticos e utilitários - tentam reconciliar as culturas europeias e africanas para recontexualizar a história e reestruturar o presente. Este ténue equilíbrio entre elementos discordantes e fraturantes fez da obra de Kapela um ato de generosidade para com as gerações vindouras na procura de um futuro por vir.
Artista autodidata, começa a pintar em 1960 na Escola Poto-Poto, em Brazzaville, República do Congo. Fixa residência em Luanda desde 1989, e trabalha no complexo de ateliês da União Nacional de Artistas Plásticos (UNAP), num prédio em ruínas no centro da cidade. Em 2003, recebe o prémio Ciciba - Centro Internacional de Civilizações Bantú, Brazzaville, e em 2020 foi o vencedor na categoria de Artes Visuais e Plásticas do Prémio Nacional de Cultura e Artes (PNCA), promovido pelo Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente de Angola. Recentemente, a sua obra esteve presente em importantes exposições internacionais, que atesta a relevância do seu trabalho dentro e fora do contexto angolano. Em 2004, integrou a exposição Mais a Sul, na Culturgest, Lisboa. Entre 2004 e 2007, a sua obra esteve presente na exposição itinerante Africa Remix, que passou pelo Museum Kunst Palast, em Dusseldorf, pela Hayward Gallery, em Londres, pelo Centre Georges Pompidou, em Paris, pelo Mori Art Museum, em Tóquio e, por fim, na Johannesburg Art Gallery, em Joanesburgo. Em 2007, foi um dos artistas selecionados a representar Angola na Bienal de Veneza, na exposição Check List - Luanda Pop. Em 2009, participou na exposição Luanda Smooth and Rave, na Bienal de Bordéus. Em 2013, a sua obra esteve presente na exposição No Fly Zone, no Museu Berardo em Lisboa, integrada na Trienal de Luanda.
Hugo Dinis
39 desenhos (dimensões variáveis)
Inv. 565797