No âmbito do protocolo de depósito de longa-duração que a Coleção da Caixa Geral de Depósitos mantém com o Museu da Presidência da República, destaca-se a obra “Uma romana em Évora” (1984) de António Dacosta (Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, Portugal, 1914 - Paris, França, 1990), que recentemente ficou presente na Sala do Conselho de Estado do Palácio de Belém, conjuntamente com obras da Coleção Manuel de Brito e da Coleção do Centro de Arte Moderna – Fundação Calouste Gulbenkian.
“Uma romana em Évora” (1984), apresentada pela primeira vez na exposição individual na Galeria Zen, no Porto, faz parte de um conjunto de obras – “Um romano em Évora” e “Está calor em Évora”, ambas de 1983 – que são alusivas à cidade de Évora. São pinturas “que amparam o simbólico e o espiritual, e que conciliam o venerável com o mundano” (Tânia Saraiva). A pintura “Uma romana em Évora” conjuga, “na magnificência de um branco que tudo invade” (José Luís Porfírio) e num ocre “solar, órfico” (Bernardo Pinto de Almeida), “a redescoberta da mitologia no quotidiano, e a redescoberta do infinito no ínfimo” (Rui Mário Gonçalves). A figura feminina Ceres segura uma espiga de trigo – símbolo da fecundidade da terra – e é confrontada por um pequeno lagarto – símbolo do profano. Nesta fase da obra de Dacosta é notória a sua capacidade narrativa e inventiva nas simbologias das figuras e dos objetos que representa. O espaço pictórico – “construção de uma espécie de mapa” (Raquel Henriques da Silva) – estabelece-se como um campo aberto de relações simbólicas de “lógicas internas de uma mitologia pessoal” (Fernando Rosa Dias), que são dadas pelos significados próprios dos objetos e das figuras que compõem a pintura.
Nascido em Angra do Heroísmo, nos Açores, em 1914, e depois de estudar Marcenaria na Escola Industrial e Comercial de Madeira Pinto, onde trabalhou como auxiliar do seu pai, vem para Lisboa em 1935 para estudar Pintura na Escola de Belas-Artes. A sua obra desenvolveu-se em dois momentos distintos e temporalmente distantes. O início da sua carreira entre 1938 e 1949 é fortemente influenciado pelo Surrealismo, conjuntamente com António Pedro, através de uma “pintura figurativa de linguagem onírica que se caracteriza pelo teor dramático, por vezes violento ou por um lirismo de pendor melancólico” (Adelaide Ginga). Em meados da década de 40 a sua pintura leva-o a um caminho mais lírico e significante. O sucesso das suas obras – Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 1942 – leva-o a Paris em 1947, como bolseiro do governo francês. Contactando com o grupo surrealista francês, a sua pintura aproxima-se da abstração. Nesse mesmo ano abandona a pintura, fixa-se definitivamente em Paris e dedica-se exclusivamente ao jornalismo e à crítica de arte - Diário Popular (1943-47) –, e como correspondente do Diário de Lisboa (1947-50) do O Estado de São Paulo (1952-1978), mas também se dedica à poesia e à ilustração. No final da década de 70 retoma a pintura com uma figuração contida e simbolista: “algumas imagens impunham-se, mesmo no seu insólito, um insólito nunca preconcebido” (Rui Mário Gonçalves). As suas pinturas resgatam alguns momentos mais líricos que tinha deixado quase 30 anos antes, mas são banhadas por um “arquipélago mítico” (Júlio Pomar) e por uma “espera suspensa” (Fernando de Azevedo).
Em 1984 recebe o Prémio AICA e em 1988 a sua obra é apresentada no Centro de Arte Moderna e na Casa Serralves. Em 1989 é agraciado com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, pelo Presidente da República Mário Soares.
Hugo Dinis