INTIMIDADE ESPECULATIVA

O nome de Alicia Kopf entrou de rompante nos circuitos culturais com a publicação, em 2016, do romance Irmão de Gelo. Duas das peculiaridades que deram imediato destaque a este livro foram a de prescindir de uma estrutura narrativa convencional e a de incluir outros elementos além do texto que a autora criou para o seu enredo. Fotografias, desenhos, diagramas ou mapas convivem naquelas páginas com mensagens de WhatsApp, excertos de artigos científicos ou informações captadas online, revelando um processo criativo onde investigações de várias naturezas recolhem documentos cujos conteúdos alimentam reflexões, reflexões que geram sentidos e sentidos que geram obras.

A par dos livros, as investigações de Alicia Kopf conduzem-na à produção de outros objetos –desenhos, fotografias, vídeos – que funcionam como declinações do mesmo impulso que a leva à escrita. São coisas que fazem parte das mesmas histórias, mas que Kopf sabe não poderem ser lidas – apenas vistas, sentidas, experienciadas. Uma vez dispostos num espaço, estes objetos compõem teias de relações sensíveis a que nos habituámos a chamar de exposições. Este trânsito voluntário entre disciplinas faz de Alicia Kopf nem só uma escritora, nem apenas uma artista visual, mas alguém que navega fluidamente entre meios, técnicas e tecnologias, consoante as necessidades do projeto em mãos. 

Em certa medida, esta postura de Kopf está nos antípodas do paradigma do artista moderno. O que lhe interessa não é forçosamente explorar a especificidade dos meios que utiliza. É utilizá-los para investigar a natureza das motivações, das relações e dos comportamentos humanos; para ir além da aparência dos fenómenos, para lá da superfície dos atos, em busca do que de insondável ali se possa esconder. 

Talvez se trate, então, de construir, a cada obra, uma espécie de ontologia experimental dos afetos, facto que explicaria a recorrência no seu universo de noções como conquista, pulsão, desejo ou descoberta. Se isso era evidente em Articantartic – projeto no seio do qual surgiu Irmão de Gelo e que tomou a história das expedições polares como metáfora para esse impulso exploratório –, em Speculative Intimacy essa filiação é porventura mais subtil, mas não menos influente. Partindo das leis da atração dos corpos celestes e da sua possível analogia no campo das relações humanas, este projeto tem vindo a traçar um diagnóstico das novas formas de intimidade na era das tecnologias digitais e da inteligência artificial. Os trabalhos reunidos nesta exposição estabelecem fluxos constantes entre escalas, contextos e métodos distintos, sejam eles as ciências duras e as humanidades, a tecnologia e o orgânico, o mistério e o conhecimento, o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, a atração e a repulsão, a vida e a morte. Longe de se deter numa lógica maniqueísta, a produção da artista explora estes fluxos na base das tensões que neles se produzem e sempre com um intuito pragmático: trata-se de usar a informação recolhida em contextos de investigação especulativa para encontrar respostas a questões transversais. Por exemplo, procurar nos recentes desenvolvimentos da cosmologia e da física quântica vislumbres de uma lei cabal do comportamento dos corpos – uma lei tão completa que explicasse a mecânica daquilo que nos impele para um Outro, que chegasse a revelar, por fim, a natureza dessa energia peculiar a que chamamos amor... Ou investigar a virtualização que as novas tecnologias prometem impor às formas e às vivências desse mesmo amor: o ecrã do telemóvel como reduto sensual dos contactos interpessoais, a miragem do prazer à distância de um clique, o isolamento paradoxal da ultraconetividade, a sedução transcrita na forma de um algoritmo.

Na exposição que traz à Culturgest Porto, a artista estreia um filme especificamente realizado para esta ocasião e com o qual encerra o ciclo Speculative Intimacy. Intitulado Historia de mis ojos, o filme institui um conjunto de relações entre o olho humano, o comportamento dos astros e as evoluções científicas no campo da ótica. Através delas, a artista desfia uma narrativa que oscila entre duas pulsões de sentido oposto: a pulsão de olhar para fora, para o cosmos, para o que nos é absolutamente alheio, e a pulsão de olhar para dentro, para o interior do corpo, para a sua capacidade de se reproduzir e de originar o que nos deveria ser absolutamente familiar e que talvez seja, afinal, apenas uma outra forma de confrontar o desconhecido.

Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos
Speculative Intimacy, Alicia Kopf (Porto), 2021  © Renato Cruz Santos

STORY OF MY EYES

(EXCERTO)
FICHA TÉCNICA

PROGRAMAÇÃO DE ARTES VISUAIS / CURADORIA

Bruno Marchand

 

ASSISTENTE DE CURADORIA

Sílvia Gomes

 

COORDENADOR DE PRODUÇÃO

António Sequeira Lopes

 

PRODUÇÃO

(CULTURGEST PORTO)

Susana Sameiro

 

ASSISTENTE

(CULTURGEST PORTO)

Rui Osório

 

MONTAGEM

Bruno Fonseca

Renato Ferrão

 

AGRADECIMENTOS

CBS – Creative Building Solutions,

Eng. Nuno Abreu

 

PARCERIA