“Se a construção de uma ponte não enriquece a consciência de quem nela trabalha, então a ponte não deve ser construída.”
É a partir desta premissa de Franz Omar Fanon, estendida enquanto território conceptual, que abrimos caminho à reflexão que molda este encontro, no Dia da Consciência Negra – dia incontornável para compreendermos a nossa experiência global, fluída e mutável.
Num momento histórico em que o conceito de diversidade tende a esvaziar-se de significado nos discursos sobre cultura, abordaremos o prisma das dimensões de autoridade e autoria de modo a facilitar (e talvez acelerar) o pensamento e a concretização de insurreições radicais e reparadoras no sector cultural.
Curadoria: Raquel Lima
Olhares externos: Dori Nigro, Melissa Rodrigues
O programa da conferência constrói-se desde uma pedagogia de perguntas, através da qual as tentativas de resposta aos quatro momentos que o compõem encontram novas perguntas: Um workshop teórico-prático, dinamizado por Dori Nigro e Melissa Rodrigues, em representação da UNA - União Negra das Artes, para entendermos o que são e para que/quem servem linhas antirracistas para a arte-educação. Uma mesa-redonda, com Anabela Rodrigues, Apolo de Carvalho, Cristina Roldão, Gessica Correia Borges e Kitty Furtado, em que se pergunta como reparar o reparável no sector artístico em Portugal. Uma mesa conversacional, por Vânia Gala, que questiona quais os potenciais críticos dos nossos posicionamentos político-performativos. E Jota Mombaça encerra com uma palestra que visa compreender como operar as categorias políticas deste tempo, sem estender a sua duração.
As vozes são múltiplas e transdisciplinares, e vão desde a arte-educação, curadoria, performance, artes visuais, cinema, antropologia, pedagogia, sociologia, comunicação, direito, relações internacionais e ativismo, e nesta encruzilhada reúnem-se para refletir sobre lógicas de extrativismo artístico, apropriação cultural, destituição autoral, racismo cultural, e assim sugerir interrupções na repetição e reprodução das institucionalidades verticais estabelecidas, normalizadas e instituídas em práticas e políticas artísticas contemporâneas.
De que forma podemos tecer novos caminhos para um sector artístico feito pelas comunidades, tendo em conta as suas assimetrias sociais, e as particularidades das suas necessidades? Como podemos inscrever risco, desejo, colapso e opacidade como parte de uma gramática de transformação?
Como nos ensina bell hooks, no livro ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade, é importante questionar a autoridade e “correr o risco necessário da pedagogia ativa, tornando a sala de aula num local de resistência”. Podemos trocar sala de aula por setor artístico, já que esse é também um espaço pedagógico que reproduz, igualmente, figuras de autoria e autoridade, e onde podemos correr riscos necessários amplificando e diversificando vozes, desenterrando traumas, acolhendo novas narrativas, curando, rompendo, irrompendo, coexistindo...
Talvez seja uma coincidência que esta conferência se realiza no Dia da Consciência Negra, ou talvez a memória não se quer perder ao esquecimento, e estas sejam linhas de reparação bordadas há muito tempo atrás e que agora se tornam visíveis aos nossos olhos.
- ResumirReparar o reparável
"Nas definições da palavra reparar, encontramos: retocar, consertar, restaurar, indemnizar, restabelecer e compensar. Porque a colonialidade não é uma mera condição, mas um estado de espírito e de coisas, acreditamos que nenhuma dessas palavras, ou qualquer outra da gramática colonial da língua portuguesa, traduz a dimensão ou sequer sugere o que designamos por reparação, no que toca a tais acontecimentos irreparáveis para a vida e a dignidade desses povos. Ainda assim, para além de qualquer conceptualização, consideramos urgente implementar políticas e práticas efetivas de reparação nas suas várias dimensões, inclusive simbólicas."
Proposta de políticas práticas de reparação para Portugal
FICHA TÉCNICA
FOTOGRAFIA
Felipe Correia, Dori Nigro, Joni Rico
TEXTO
Raquel Lima
EDIÇÃO
Carolina Luz
REVISÃO CONTEÚDOS
Catarina Medina
DESIGN E WEBSITE
Studio Maria João Macedo & Queo