ORIENTE:OCIDENTE - CAGE:OTTE
O concerto Oriente:Ocidente - Cage:Otte é uma estreia em Portugal e um dos pontos altos do festival Hans Otte : Sound of Sounds . É ainda a estreia de Margaret Leng Tan, uma das mais conceituadas intérpretes da música experimental americana, considerada pelo New York Times como “a rainha do toy piano”, e que trabalhou de forma próxima com John Cage.
Oriente:Ocidente - Cage:Otte é um concerto para dois pianos numa “sala de concertos preparada”, idealizado por Ingo Ahmels (conceção e design sonoro) em homenagem a Hans Otte, e que teve a sua estreia em 2006. Nessa ocasião a interpretação contou com dois pianistas masculinos, sendo agora intencional a escolha de duas mulheres pianistas para a interpretação das obras-primas para piano de John Cage e Hans Otte.
Margaret Leng Tan interpreta uma seleção da obra seminal para piano preparado Sonates and Interludes do compositor americano, enquanto a reconhecida pianista portuguesa Joana Gama interpreta uma seleção dos ciclos O Livro dos Sons e O Livro das Horas de Hans Otte.
“Sempre fui uma pessoa obcecada por sons, e nunca deixei de procurar a sensualidade, a clareza. A perceção sensorial dos sons: essa era a minha grande questão.”
Hans Otte
Sentir os Sons
Ingo Ahmels
Perscrutar a natureza dos sons diretamente ao piano tornou-se o caminho preferido de Otte para a composição, no final dos anos 70, o mais tardar. Ao mesmo tempo consciente e intuitivamente, ele ouve, toca, sente as suas séries de sons, modela-as e reformula-as, inspira-as e volta a expirá-las. Só quando parece ter sido encontrado um ponto de equilíbrio, é que as formas são notadas graficamente na partitura, e, se necessário, novamente questionadas e modificadas. O processo de revisão dialético de Otte ao serviço do desenvolvimento é, em suma, o do Ocidente. No entanto, o compositor reconhece, neste contexto: “Estou grato a John Cage pela chamada de atenção para os sons 'tal como são' [...]: a arte do deixar ir, do deixar ser, do deixar acontecer.”
Rescindindo cautelosamente da tradição do piano europeu, condensou (com vestígios de Schubert, Chopin, Debussy, Ravel, Satie e música americana minimal) uma síntese refinada e sempre fluida de antigos e novos mundos sonoros e formais. Das Buch der Klänge, uma composição francamente popular para uma obra de música erudita contemporânea, foi até agora difundida – na própria gravação de Otte, de 1983 – mais de 20.000 vezes em todo o mundo.
Hans Otte
por Ingo Ahmels
Nascido em 1926, em Plauen na Alemanha, aos cinco anos de idade, as artes já o fascinavam, concebia dramas e encenava-os em palcos-miniatura construídos por si.
Recebeu a sua formação básica de piano em Bronislaw von Pozniak, a partir de meados da década de 1930. Desde então, compôs peças para piano e outros instrumentos, um concerto para piano aos nove anos de idade e uma primeira sinfonia aos 14. [...] A partir de 1946, Otte pode estudar simultaneamente composição com Kurt Rasch na Academia de Música de Weimar e direção com Hermann Abendroth, na Bauhaus Fine Arts, e também estudou teatro na Stanislawski School of Acting. No mesmo ano, ganhou o Prémio Nacional de Weimar, na categoria de Improvisação. [...]
Depois de um período de estudo na Villa Massimo, em Roma (1959), a Rádio Bremen contratou Otte como o mais jovem diretor musical da ARD aos 32 anos de idade.
+ Continuar a LerAí, paralelamente à sua própria carreira artística, desenvolveu uma atividade que marcou uma época, como mediador cosmopolita da música e da arte sonora, especialmente no âmbito das bienais "pro musica antiqua" e "pro musica nova", que fundou, até 1984: com apresentações não dogmáticas de arte musical nova, antiga e culturalmente diferente baseada na mediação sensorial direta, Otte fez de Bremen uma referência de topo no mundo da música, durante muitos anos. Otte, que esteve sempre em intercâmbio internacional com os melhores compositores, intérpretes, pessoas do teatro, artistas visuais e filósofos de hoje, naquela altura pouco conhecidos, atribuiu-lhes uma série de importantes encomendas, muitas vezes contra a resistência maciça dos comités: aos novos intérpretes de música antiga, de Stefford Cape a Nikolaus Harnoncourt, promoveu a criação de mais de 100 novas obras, de Cage a Stockhausen, e a introdução na Europa de música jovem americana, de LaMonte Young a Terry Riley, organizou performances ao vivo e produções de música para piano, de David Tudor a Herbert Henck, palestras filosóficas, de Theodor W. Adorno a Ernst Bloch, e, por último, mas não menos importante, impulsionou uma série de obras multimédia de artistas visuais, de Wolf Vostell a Nam June Paik. [...]
Com o seu segundo grande ciclo de piano, Stundenbuch (1991-98), Otte continua no caminho da abertura integrativa, concentrando-se, desta vez, ainda mais fortemente no "essencial aparentemente simples": o diálogo vivo de Otte com a tradição Zen japonesa, que começou quase simultaneamente com a sua amizade de décadas com John Cage e continuou durante várias estadias no Japão, levou o compositor ao seu trabalho sonoro aberto "que liberta", ouvintes e intérpretes (no sentido de Cage), mas que não requer a técnica aleatória. [...] Partilhar a experiência auditiva diretamente com os pares, expondo a beleza do som que se refere a si próprio e abrindo assim horizontes para o pensamento filosófico e os sentimentos espirituais - estes são os anseios impulsionadores também associados às numerosas obras multimédia de Otte.
Desde o objeto sonoro Atem (1972), arquetipicamente direto, até à sofisticada obra Namenklang (1995), que transforma o som da fala em música espacial coral, Otte desenvolveu continuamente este conjunto de obras. As quase 50 instalações sonoras, esculturas, ambientes de luz e som, séries de imagens, vídeos e, por fim, mas igualmente importante, as 17 peças de teatro musical, utilizam, formalmente e com precisão, um espectro extremamente amplo de técnicas de criação artística para uma e a mesma pessoa.
- ResumirFICHA TÉCNICA
PIANO
Joana Gama
EDIÇÃO E REVISÃO CONTEÚDOS
Inês Bernardo
Excertos retirados de Ahmels, Ingo. Hans Otte - Klang der Klänge / Sound of Sounds,Rolf W. Stoll (ed.) Mainz: Schott. 2006. ISBN 3–7957–0586
VÍDEO E SOM
Bruno Castro
DESIGN E WEBSITE
Macedo Cannatà & Queo
FOTOGRAFIA
Vera Marmelo