Os desenhos de Bächli são ensaios: imagens que fazem aproximações, necessariamente incompletas e parcelares, ao mundo intangível.
Sílvia Bächli parte de experiências subtis do quotidiano para a construção de um inventário visual que se encontra plasmado na exposição Side Facing The Wind. Este é o oitavo momento do ciclo Reação em Cadeia, uma colaboração entre a Fidelidade Arte e a Culturgest, que implica os artistas participantes na escolha do artista que lhes sucede.
Obras enquanto atores
Num dos primeiros emails que trocámos [o curador e a artista] sobre a construção desta exposição, Silvia Bächli informou-me que no seu estúdio existia já uma maquete do espaço da Culturgest Porto e que, distribuídos pelas paredes de cartão, figuravam já alguns “atores”. “São só umas primeiras ideias”, escrevia Bächli. Os “atores” a que se referia eram, claro está, miniaturas à escala de desenhos e esculturas, selecionados de entre a sua produção recente.
+ Continuar a LerA opção pela construção de uma maquete do espaço não me surpreendeu. Tinha lido num dos seus catálogos que esse era o seu método de trabalho no que à conceção expositiva dizia respeito: “De facto, faço os meus desenhos no estúdio, independentemente de qualquer exposição, mas, quando exponho, seleciono-os e organizo-os tendo em conta o espaço que vão ocupar. É só quando conheço o aspeto do espaço que começo a conceber conjuntos com diferentes desenhos.”
Saber que Bächli tinha perfeita consciência de que uma exposição depende tanto das obras que apresenta quanto das relações que entre elas se equacionam no (e com o) espaço não me preparara, contudo, para a surpresa de perceber que a artista entendia as suas peças como “atores”. A escolha do termo não podia ser inocente. Ator não é o mesmo que personagem. Na verdade, ator tende a ser o oposto de personagem, sobretudo quando os consideramos à luz da questão da singularidade. Um ator será tão mais competente quanto mais apetência demonstrar para encarnar diferentes personagens; uma personagem será tão mais impactante quanto mais particular se apresentar o seu caráter dentro de um dado enredo.
Não é raro partimos do princípio de que as obras de arte são portadoras de um determinado significado; que, por muito abstratas que sejam, representam qualquer coisa. Partir desse princípio significa olhar para a obra como uma personagem, não como um ator. Por outro lado, olhar para a obra enquanto ator implica esvaziá-la daquilo que a poderia encerrar numa identidade vincada; significa dotá-la de uma flexibilidade e de uma fluidez que não se compadecem com usos fixos, normativos e funcionais. As obras de Bächli tendem para essa fluidez. A sua existência é, sobretudo, contextual. Isto é, o que elas representam depende muito mais do ambiente em que estão inseridas, dos seus posicionamentos relativos, das suas contaminações, dos contrastes ou das distâncias que mantêm entre si, do que propriamente das suas identidades “isoladas”. É por isso que Bächli dá primazia ao espaço: sabe que nem todas as cenas podem decorrer no mesmo ambiente e que cada cena implica um grupo de atores diferente.
1 Silvia Bächli em “Artistic Differences and Complicities: An Interview with Silvia Bächli and Eric Hattan by Jean-Paul Felley and Olivier Kaeser”, Situer la Différence, Paris: Centre Culturel Suisse, 2017, p.7
- ResumirEntre o desenho e a escultura
As obras de Sílvia Bächli são, na sua maioria, desenhos. Esta proximidade com o desenho deve-se, em grande medida, ao acesso facilitado que a artista teve desde sempre aos mais diversos tipos de papel, uma vez que o seu pai trabalhava numa gráfica. Este dado biográfico acabou por ser determinante na escolha de direcionar o seu trabalho para o desenho.
+ Continuar a Ler"Os seus desenhos são sobretudo compostos por manchas e traços a guache, feitos com trinchas ou pincéis largos, sobre papel. São inscrições simples ou sumárias, ora a preto, ora a cor, mas recorrendo sempre a uma paleta que raramente se desvia dos tons terra. Alguns dos desenhos apresentam figuras de corpos ou partes de corpos, mas a maioria situa-se no território do que habitualmente chamamos de abstração."¹
O trabalho de escultura disposto na exposição Side Facing the Wind é composto por pequenos elementos em gesso pintado. As peças encontram-se sobre uma mesa alta dando a sensação de que estão numa espécie de palco. Estas obras resultam de um trabalho recente iniciado por Sílvia Bächli no campo da escultura.
¹ Bruno Marchand
- ResumirSILVIA BÄCHLI
Nasceu em Baden, na Suíça, em 1956. Estudou na Schule für Gestaltung Basel e na École supérieure d'art visuel Genève entre 1976 e 1980 e foi professora na Staatliche Akademie der Bildenden Künste Karlsruhe, na Alemanha, entre 1992 e 2016.
Seleção de exposições individuais entre 2006 e 2021: La BF15, Lyon (FR); Fondation Beyeler, Riehen/Basel (CH); Kunsthalle Karlsruhe (DE); Kunstmuseum, Basel (CH); Centre Culturel Suisse, Paris (FR); Musée Barbier-Mueller, Genève (CH); Frac Franche-Comté, Besançon (FR); Kunstverein, Heidelberg (DE); Pinakothek der Moderne, München (DE); Kunstmuseum, St. Gallen (CH); Swiss Pavillion Biennale di Venezia (IT); Centre Pompidou, Paris (FR); Museu de Serralves, Porto (PT); MAMCO, Genève (CH).
Coleções institucionais: Pompidou Paris; MMK Frankfurt; Pinakothek der Moderne, München; Art Institute of Chicago; Dallas Museum; MoMA, New York; Kunstmuseum St.Gallen; Fundação de Serralves; MAMCO Genève; Kunstmuseum Basel.
FICHA TÉCNICA
CURADORIA
Bruno Marchand
ASSISTENTE DE CURADORIA
Sílvia Gomes
COORDENADOR DE PRODUÇÃO
António Sequeira Lopes
PRODUÇÃO (CULTURGEST PORTO)
Susana Sameiro
EDIÇÃO
Carolina Luz
REVISÃO CONTEÚDOS
Catarina Medina
DESIGN E WEBSITE
Studio Maria João Macedo & Queo
FOTOGRAFIA
Bruno Lopes
Renato Cruz Santos